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quinta-feira, 22 de março de 2012

Sperlativo

Acontece assim, sem local ou hora certos. Sem preparo ou tempo para pensar. Mas acontece e quando faz, vem tão forte quanto um soco na boca do estômago.
Você está andando displicentemente e quando num repente tão rápido que sequer lhe possibilita entender de onde veio ou como aconteceu, um par de olhos cruza o caminho de seu olhar. Quando você percebe aqueles olhos lindos é o início do fim.
Os olhos não percebem você, e isso lhe dá tempo e chance de esquadrinhar o todo, cabelo, cílios, sobrancelha, boca, sorriso, dentes, pele,  roupa, jeito de vestir, andar, passar a mão no cabelo, mexer as mãos, os braços, as pernas e até as vezes o cheiro.
Quem costuma reparar e mesmo quem não é estudioso de leitura corporal ou se aventura na área da análise comportamental, quando cai nessa situação repara, começa a ligar todo o conhecimento empírico de relacionamentos passados. Analisa a pessoa, procura aliança ou sinais de disponibilidade “solteirística”.
O tempo corre e os olhos seguem, mas graças ao maravilhoso e perfeito Deus e aos cupidos, os humanos sentem quando estão sendo observados. Então aqueles olhos jubilantes procuram algo no nada, sem saber exatamente o que é. E cruzam com os seus os quais se perdem e não sabem se desviam ou permanecem olhando, em um vacilo explícito, dando de bandeja e apressadamente o poder aos olhos fitantes.
Ao perceber que era você que estava olhando em um cruzar de olhos rápido, retorna e lhe olha. Apenas para confirmar a si e declarar: “eu vi que você estava me olhando”.
Pronto, a mascara caiu, e agora? Fugir? De que jeito, agora é tarde, Inês é morta!
A perfeição dos traços, dos jeitos, do rosto, do corpo e até do olhar... Que vontade de escorraçar a lucidez e sair correndo, cheirar seu pescoço, passar a mão no cabelo, beijar acalorada, excitante, provocante e libidinosamente aqueles lábios maravilhosos.
O tempo ainda corre, os movimentos não cessam e você só consegue ficar ali, admirando, olhando e no máximo, ainda assim com muito esforço, acompanhando os passos de quem lhe tirou a paz.
Os olhos hipnotizantes desrespeitosamente olham novamente para os seus, certificando-se de que ainda há alguém ali... babando... E você não consegue reagir, tenta manter o olhar firme, mas a química agindo em seu corpo não colabora e você, graças a toda sua fraqueza e covardia, desvia o olhar.
Você se arrepende amargamente, começa a se culpar pela oportunidade perdida e já tenta até pensar que era impressão sua, que jamais alguém tão maravilhoso lhe olharia com segundas intenções.
Então aqueles olhos impiedosos tornam a lhe fitar, agora profunda e interessadamente, como se um túnel entre pupilas fosse materializado entre ambos e o maldito e infinito tempo para, transformando o momento em séculos, tatuando na alma essa sensação até além-vida.
Palavrões borbulham em sua mente, a barriga congela, o coração vira o maior astro da São Silvestre e, sem trégua, tenta ultrapassar a linha de chegada: os dentes.
O olhar é o mais expressivo que já viu em toda sua vida, lhe desnudou sem misericórdia, afrouxou seus joelhos e bambeou suas pernas. A garganta arde, a respiração descompassa e o coração não desiste.
Você agora consegue, com um esforço sobre-humano e descomunal manter a firmeza no olhar. Realmente aquele inebriante par de olhos lhe olhou, lhe atravessou, enxergou sua mente, sua alma, seu coração e até o que você não queria que fosse visto.
Sua função basilar é ter um mínimo de iniciativa, puxar assunto, uma piada, algo estúpido que seja. Não, melhor se for algo inteligente. O tempo que estava decidindo se ficava parado ou andava em negativo, resolveu agora tirar todos os atrasados dos últimos trinta séculos e corre dando risada da lerdeza do coração que antes parecia imbatível.
A pressa incendeia a razão. A lucidez não aguenta tanta pressão e coloca uma mochila nas costas, partindo sem previsão de volta. O tempo não cessa o açoite, a esperança cresce e desaparece disformemente de acordo com a conjunção dos acontecimentos.
Desespero. “Inconsequência, me dê sua força e me guie como um cavalo chucro”, você pede. E parte em direção ao que jamais lhe dará paz, até que seus olhos não mais se abram. Mas a briga não é simples, nem fácil. E não poderia ser diferente, afinal de contas são os olhos mais perfeitos do universo.
Eles lhe instigam, lhe encorajam, lhe enrubescem, lhe chacotam e subjugam. Mas você sabe que sua felicidade e sono tranquilo nos anos vindouros passam por essa provação. Liga o botão de explodir todo o resto e segue firme, com a decisão de um paladino.
Os olhos que antes eram tão ultrajantes, agora começam a hesitar, como um cachorrinho que quer carinho, mas oscilando entre desafio e desejo, como se uma batalha também estivesse acontecendo naquele outro corpo.
Isso que deveria proporcionar maior segurança, lhe deixa ainda pior, pois a hesitação é a mãe da covardia, cujas filhas são as escolhas erradas e covardes.
Mas sua vida está lhe fitando, aguardando, e o que antes eram apenas alguns passos, se transformam em intermináveis metros, e o tempo que antes urgia, agora mambembemente escorre feito gosma pegajosa.
Será que sua saúde permite ao menos chegar até aqueles olhos? Seu coração quer desistir e sair fora antes que tudo isso acabe mal. Mas e se houver vida após a morte e ela for eterna? Como viver com isso? Sabendo que tinha tudo ali, à sua frente e abandonou por uma simples mortezinha gerada por falência múltipla dos órgãos provenientes de um colapso nervoso?
Isso é para fracos e, embora lentamente e com muito esforço, você consegue chegar até o que lhe provoca, que já está de frente para você. Nessa hora, por uma dádiva divina, seu anjo da guarda lhe sopra ao ouvido segredos esquecidos de comportamento humano e você percebe ombros alinhados, pés apontados para você, meio sorriso encabulado na boca e a mão saindo do cabelo. O maldito tempo congela e você apenas consegue deslocar um milímetro a cada três séculos e meio quando inclina sua boca na direção daqueles lábios perfeitos.
O coração também desiste e explode, o pulmão entra em curto psicótico, o estômago não existe, foi digerido pela bile, e as pequenas borboletas que moravam em sua barriga transformaram-se em morcegos.
Os olhos aproximam juntamente com os lábios, quando a cabeça daquelas esferas consternantes, agora já reféns, começam a se inclinar de forma a lhe receber, os morcegos transformam-se em corvos impiedosos e raivosos, drogados e enlouquecidos que estão quebrando tudo.
O cheiro é maravilhoso, o perfume, o cabelo, o hálito... Tudo é perfeito. Então aqueles olhos fulgurantes começam a se fechar esperando o desfecho do beijo. Os corvos transformam-se em águias que rasgam, bicam e querem sair por onde for, nem que seja pelo nariz.
E o beijo acontece, o melhor beijo do mundo, sabor pitanga. Tudo bate, tudo combina e você tem apenas uma certeza, dali em diante o mundo nunca mais será igual, nem a vida nem as sensações, pois nesse beijo o coração que havia explodido, fugiu e entregou-se a outro peito, sendo então para sempre de outra propriedade.

Publicado em: A Tribuna Regional no dia 17.03.2012
Editado/corrigido/pitaquiado por: Thiago Severgnini de Sousa
Escrito por:  @rjzucco

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